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Formação em Neuroeducação - Módulo 2 - Parte 3

Módulo 2 – A neurociência e as demandas da educação infantil – O acompanhamento e os processos de avaliação na Educação Infantil

Discute-se muito a respeito da EI enquanto uma etapa necessária para o preparo da criança para o ingresso no Ensino Fundamental. Tais ideias acabam tornando engessados alguns currículos e estratégias pedagógicas na EI e replicando moldes de etapas educacionais subsequentes. Isso por vezes se encontra implicado tanto no processo formativo como também no acompanhamento e na avaliação dos educadores frente ao desenvolvimento das aprendizagens da criança.

É comum que escolas se comuniquem com os pais acerca do acompanhamento e desenvolvimento da criança por meio de documentos, como pareceres, relatórios ou mesmo através de encontros. Muitos destes documentos derivam de modelos avaliativos baseados em resultados e que acabam reproduzindo uma avaliação baseada em desempenho, similar à que ocorre no Ensino Fundamental e Médio. A criança avaliada atinge ou não atinge determinados critérios considerados necessários para o adequado desenvolvimento do cérebro e de suas funções cognitivas. Entretanto, tais práticas avaliativas no Ensino Infantil devem ser pensadas com cuidado.

O sistema nervoso central (SNC), em especial, nosso cérebro, representa uma das estruturas que mais fascina e intriga os neurocientistas e pesquisadores da área. Desvendar questões relacionadas a como o cérebro funciona, se desenvolve e se organiza a fim de possibilitar processos cognitivos complexos e expressões emocionais e comportamentais ainda representa um dos grandes mistérios da atualidade.

Logo, é sugerido que você educador(a) possa ter tais documentos como uma ferramenta de orientação. Essa orientação serve tanto para a própria condução do processo formativo da Educação Infantil como para os pais e cuidadores. Ela é parte do trabalho que está sendo desenvolvido pela escola. Como discutimos no tópico anterior, ter um enfoque excessivo em produção, desempenho e resultado desconstrói o processo de aprendizagem: de que modo a criança se desenvolve e sua individualidade neste processo. Além disso, a exigência do foco na produção pode trazer prejuízos, tornando-se um estressor e uma ferramenta de cobrança para pais e educadores, direcionando seus esforços para que a criança atinja determinadas metas ou graus de desempenho.

Neste sentido, entende-se que os pareceres e avaliações devem ser redigidos com atenção e cuidado pelos educadores.

O que explorar nesses documentos?


Expor aquilo que a criança apresenta e manifesta no seu processo de conhecer e se relacionar consigo mesmo e com o mundo.


Não focar apenas no que a criança não faz ou desenvolve (pontos negativos que não estão de acordo com padrões e metas pré-estabelecidos para o desenvolvimento).


Explorar e relatar as potencialidades, descobertas e capacidades da criança a fim de orientar e estimular tais características através dos métodos de educação que a escola propõe.


Como sugere Chokler (2017), o processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança se dá pelo descobrimento e isso só é possível em um espaço seguro e confiável no qual a criança se sinta amparada cognitivamente, socialmente e emocionalmente. Os modelos educacionais atuais, cada vez mais implicados no processo de formação da Educação Infantil, são modelos de cobrança e exigência por resultados. Tais modelos acabam em seu fim indo de encontro às necessidades que devem ser exploradas e desenvolvidas, como a promoção da sensibilidade e percepção da criança, além de sua autonomia, sua criatividade e sua ludicidade.

Figura 11. Avaliação da aprendizagem na Educação Infantil


Fonte: Nossa autoria (2023).

O risco para o desenvolvimento saudável do cérebro se dá exatamente a partir do momento em que o ambiente escolar promove instabilidade, competitividade, pouca tolerância à frustração, excesso de rigidez e monitoramento, além de uma dependência emocional e cognitiva. Já discutimos que tais fatores são potenciais desencadeadores de reações emocionais, como tristeza e ansiedade, e que representam estressores para o neurodesenvolvimento. É neste sentido que devemos revisar e refletir como estão se dando não só as práticas pedagógicas como também as práticas avaliativas e formativas. O olhar sensível, cuidadoso e atento para a criança deve integrar tanto o processo de ensino como também a avaliação e o feedback aos pais e cuidadores.

Isto não significa que práticas avaliativas na EI não sejam relevantes. É importante considerarmos as desigualdades de oportunidades educacionais e que apenas o acesso não assegura a aprendizagem e desenvolvimento cognitivo.

Tendo em vista a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018), definem-se alguns critérios para avaliar e acompanhar os processos de aprendizagem comuns às crianças brasileiras que frequentam a EI. Embora seja difícil pensar em indicadores de qualidade para esta etapa, recentemente, foi incluída no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), por meio da Portaria n° 10, de 8 de janeiro de 2021 (BRASIL, 2021), a proposta de que a EI deve ser avaliada a cada dois anos, com enfoque nos processos.

Ainda que represente um avanço, há diversas lacunas existentes em relação aos indicadores de qualidade no processo formativo da EI. O desafio passa a ser desenvolver ferramentas que possibilitem avaliar em larga escala os processos de aprendizagem e desenvolvimento nessa etapa e, ao mesmo tempo, considerar e respeitar a necessidade da criança, do brincar e das interações.

Interessante destacar nesse contexto o desenvolvimento do Instrumento de Avaliação das Aprendizagens na Primeira Infância (Inapi), o qual procurou construir um instrumento de avaliação em larga escala para crianças de 4 a 5 anos (SILVA et al., 2022). No estudo de Silva et al. (2022), foi realizada uma detalhada revisão da literatura nacional e internacional sobre o tema, explorando o papel da educação na infância, os principais constructos de aprendizagem e desenvolvimento e, finalmente, os parâmetros de avaliação. O instrumento encontra-se em processo de desenvolvimento, considerando a criação dos itens e contextos de avaliação baseados nas interações com as crianças e na identificação das aprendizagens nas diferentes dimensões referidas pelo instrumento, que serão detalhadas a seguir.

Primeiramente, o Inapi compreende em sua construção os contextos avaliativos que se encontram alinhados à rotina da criança em seu ambiente de aprendizagem, tais como: dinâmicas de contação de história, expressões artísticas, representações teatrais, entre outras atividades lúdicas experimentadas na Educação Infantil (SILVA et al., 2022).

Figura 12. Contextos avaliativos para a Educação Infantil alinhados às orientações do Inapi


Fonte: Nossa autoria (2023).

No instrumento, considera-se as situações lúdicas típicas deste período pré-escolar e, também, as aprendizagens fundamentais a serem tidas como marcos do desenvolvimento infantil, sendo este um instrumento que procura avaliar processos e produtos. Assim, o Inapi considera a aprendizagem como uma espiral, um processo integrativo e cumulativo que transforma e não apenas adiciona uma aprendizagem à outra (SILVA et al., 2022). A integração das diferentes áreas do desenvolvimento infantil, a exemplo de áreas motoras, emocionais, cognitivas e de linguagem, faz-se presente no instrumento. Estas formam as competências centrais a serem adquiridas na EI e encontram-se alinhadas às propostas da BNCC, como exposto em seu próprio texto:

Na Educação Infantil, as aprendizagens essenciais compreendem tanto comportamentos, habilidades e conhecimentos quanto vivências que promovem aprendizagem e desenvolvimento nos diversos campos de experiências, sempre tomando as interações e a brincadeira como eixos estruturantes. Essas aprendizagens, portanto, constituem-se como objetivos de aprendizagem e desenvolvimento (BRASIL, 2018, p. 44).

 O Inapi propõe a avaliação de quatro dimensões a serem integradas na aprendizagem:

1 - Expressão e Comunicação;

2 - Autoconhecimento, Autocuidado e Autonomia;

3 - Imaginação, Investigação, Transformação e Criação; e

4 - Empatia, Autorregulação, Envolvimento e Cooperação.

Todas estas dimensões são sugeridas como relacionadas e fundamentais para o desenvolvimento da criança. A tabela abaixo, adaptada do artigo de Silva et al. (2022), apresenta um detalhamento das dimensões e respectivas aprendizagens.

Tabela 1. Dimensões propostas pelo Inapi como fundamentais para o desenvolvimento da criança (e suas respectivas aprendizagens)


Fonte: Tabela adaptada de Silva et al. (2022).

Expressão e Comunicação

A dimensão “Expressão e Comunicação” representa as formas de expressar e comunicar que se fazem presentes desde o nascimento e que, posteriormente, serão base para o estabelecimento das relações interpessoais e apropriação dos conhecimentos culturais e científicos (SILVA et al., 2022).

Autoconhecimento, Autocuidado e Autonomia

A segunda dimensão “Autoconhecimento, Autocuidado e Autonomia” corresponde à capacidade de conhecer, apreciar e cuidar da saúde física e emocional, sendo parte da construção das habilidades socioemocionais fundamentais neste período do desenvolvimento. Refere-se às ações independentes e à adequação do corpo às vontades e necessidades da criança (SILVA et al., 2022).

Imaginação, Investigação, Transformação e Criação

A dimensão “Imaginação, Investigação, Transformação e Criação” trata do imaginar, investigar, transformar e criar a partir das relações e aprendizagens subjacentes a todo o período infantil; da compreensão de mundo pela observação, experimentação e manipulação; e da formulação de hipóteses, questionamentos e buscas por respostas, representando a curiosidade, a capacidade imagística e criativa próprias do período (SILVA et al., 2022).

Empatia, Autorregulação, Envolvimento e Cooperação

Por fim, a quarta dimensão, “Empatia, Autorregulação, Envolvimento e Cooperação”, compreende o exercício destas capacidades, sendo capaz de estimular o desenvolvimento da relação e do respeito ao outro (SILVA et al., 2022).

A proposta de Silva et al. (2022) é que tais dimensões e aprendizagens relacionadas sejam avaliadas por diferentes parâmetros observáveis e que, a partir disso, defina-se o nível de aprendizado alcançado por cada criança. Apresenta-se quatro níveis de aprendizagem em espiral organizados por meio de uma escala Likert de 0 a 4 pontos.

O nível 0 corresponde à ausência da observação da expressão de tais aprendizagens.

Os níveis 1 e 2 referem-se à observação do aparecimento de tais aprendizagens e à possibilidade de contínuo desenvolvimento e evolução das mesmas, necessitando de acompanhamento e incentivo ao longo do processo.

O nível 3, por sua vez, corresponde ao atingimento das aprendizagens essenciais e à possibilidade de aquisição e transformação destas em novas aprendizagens. Neste nível, a criança apresenta autonomia e será capaz de alcançar níveis mais complexos de aprendizagem, se orientada.

O nível 4, último, corresponde à presença de aprendizagens profundas e situa-se como último nível a ser alcançado pela EI (último ano).

Considera-se a importância de que as aprendizagens tenham sido desenvolvidas e que a criança esteja preparada para as próximas aprendizagens, mais complexas, que virão a seguir nos anos escolares. Sendo assim, o Inapi dá indícios de que é possível integrar a concepção de que a criança é ativa no seu processo de aprendizado ao longo da Educação Infantil com marcos de avaliação e desenvolvimento. Além disso, pode-se integrar tais avaliações com outros parâmetros, possibilitando uma abordagem sistêmica de avaliação e desenvolvimento das aprendizagens durante a primeira infância.

Diante do exposto, observa-se que há uma diferença marcada entre discursos com enfoque no processo, no contínuo e em avaliações qualitativas acerca do desenvolvimento da criança; e discursos, por vezes vigentes, baseados em resultados e desempenho acadêmico, mesmo na EI. É interessante destacar que tais discursos procuram fundamentar-se nos conhecimentos neurocientíficos acerca do desenvolvimento do cérebro. Embora a justificativa possa se fazer verdadeira sob certos aspectos, isto é, de fato os cérebros infantis desde cedo fornecem uma base rica para estimulação e aprendizagem, incluindo a possibilidade de múltiplas aprendizagens, incluindo habilidades de leitura, escrita e matemática, tais práticas podem acabar por se mostrar mais prejudiciais do que benéficas para o desenvolvimento infantil, especialmente quando impostas de forma rígida ou dissociadas da realidade e necessidade da criança.


Os fatores cognitivos e comportamentais e sua relação com os processos de aprendizagem na Educação Infantil


Nos tópicos anteriores, professor(a), foram discutidas ideologias e práticas pedagógicas e metodológicas que levam em consideração as necessidades e o processo do desenvolvimento das crianças durante o período da EI, incluindo-se aspectos dos processos avaliativos e formativos. No entanto, sabemos que esta fase do desenvolvimento caracterizada pelo ingresso da criança em creches e pré-escola não deve ser pensada apenas a partir da perspectiva que envolve os processos de ensino e aprendizagem e avaliações de desempenho. Denota-se a importância de avaliar como estão se desenvolvendo as demais capacidades cognitivas da criança, as quais são fundamentais para a formação do repertório comportamental e das habilidades sociais e emocionais.

Um dos principais processos cognitivos relacionados a problemas de comportamento na infância se refere ao autocontrole e regulação dos comportamentos. Inclusive, esse processo é capaz de predizer diversos desfechos mais tarde na adolescência e na vida adulta.

A importância do desenvolvimento do autocontrole da criança desde os primeiros anos de vida foi referida e debatida por um famoso projeto internacional realizado na cidade de Dunedin, na Nova Zelândia (BELSKY et al., 2016; MOFFITT et al., 2011; SLUTSKE et al., 2012). Trata-se de um estudo longitudinal — de acompanhamento — dos nascidos na cidade entre os anos de 1972 e 1973. Todos os participantes foram acompanhados ao longo da trajetória de suas vidas com o objetivo de estabelecer relações entre o adequado desenvolvimento e os desfechos psicossociais e comportamentais em fases posteriores da vida. Algumas das publicações podem ser acessadas pelo site do projeto Dunedin.

Fica como sugestão para que aqueles educadores interessados possam explorar tais materiais (ainda que em língua inglesa) a fim de aprofundarem os conhecimentos acerca desta pesquisa. A seguir, no entanto, serão detalhados alguns resultados interessantes de serem pensados por vocês, educadores, como parte da compreensão dos processos de desenvolvimento das crianças. Por exemplo: a forma pela qual se investe e estimula determinadas funções cognitivas desde cedo pode ser determinante para desfechos em diferentes contextos na adolescência e da vida adulta.

A princípio, as avaliações eram feitas a cada dois anos, começando na infância, aos 3 anos de idade, e seguindo assim até os 15 anos. Na sequência, houve acompanhamentos aos 18, 21, 26, 32 e 38 anos de idade. O estudo foi capaz de sugerir potenciais fatores preditivos na infância que são importantes para aprendizagens, para a formação e para o sucesso acadêmico e profissional mais tarde na vida, tendo implicações importantes no campo da Educação.

Figura 13. Representação do acompanhamento por faixa etária de participantes da pesquisa


Fonte: Nossa autoria (2023).

Vocês devem lembrar do Módulo I, no qual discutimos os principais componentes das chamadas Funções Executivas e como esta função cognitiva em específico era fundamental para a adequação e a regulação dos nossos comportamentos e para o atingimento de metas e objetivos ao longo da vida (sugere-se aqui retomar o vídeo apresentado no Módulo I da pesquisadora Sabine Doebel).

O autocontrole, um dos processos que compõem tais funções, foi destaque neste grande projeto de Dunedin, como um dos fatores-chave a serem explorados e trabalhados ao longo do desenvolvimento da criança, uma vez que se mostrou um forte preditor do desempenho acadêmico e da saúde física e mental dos indivíduos incluídos no estudo nos anos subsequentes das suas vidas.



Autocontrole refere-se ao processo cognitivo capaz de regular nossa capacidade cognitiva, incluindo respostas atencionais, de pensamento e raciocínio; e emocionais, a nível dos sentimentos, comportamentos e controle dos impulsos.



Neste sentido, o autocontrole aparece como uma função cognitiva fundamental para os processos de aprendizagem, pois possibilita que a criança não só direcione sua atenção como também regule seus comportamentos, inibindo comportamentos inapropriados em sala de aula, como, por exemplo, gritar, correr e brigar.


Os resultados observados pelo estudo Dunedin sugerem que crianças que já no início do desenvolvimento revelam prejuízos na avaliação de autocontrole possuíam mais chance de apresentar consequências negativas. Vários comportamentos comuns a crianças nesta fase foram monitorados e acompanhados pelos pesquisadores. Entre eles, destacam-se:

  1. impulsividade;
  2. agir sem pensar;
  3. incapacidade de esperar sua vez, intrometendo-se na fala ou nas brincadeiras do outro;
  4. incapacidade de tolerar;
  5. falta de persistência;
  6. distratibilidade;
  7. não gostar de tarefas difíceis;
  8. comportamentos agressivos e de risco;
  9. necessidade de monitoramento constante;
  10. necessidade de atenção e incentivo de um adulto para realização das atividades.

 Crianças que, aos 3 anos de idade, demonstraram falta de autocontrole — o que é possível de ser testado de diversas maneiras, incluindo tarefas de gratificação tardia como o famoso teste do marshmallow, proposto por Walter Mischel — eram aquelas que apresentavam, nas idades escolares seguintes, maiores dificuldades de adequação de sua conduta, tendo mais chance de apresentar comportamentos agressivos e de impulsividade em sala de aula. Além disso, identificaram-se prejuízos no foco atencional e na persistência para realizar atividades que exigiam maior esforço em sala de aula, sendo necessário constante reforço e acompanhamento por parte dos educadores para a conclusão dessas tarefas. Cabe destacar que o autocontrole apareceu como um fator isolado, uma vez que as análises foram controladas para fatores intervenientes, como condição socioeconômica, inteligência, sexo ou diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). 

Neste sentido, deve-se refletir sobre a importância de considerar, em atividades e nas metodologias de ensino propostas na EI, atividades que busquem explorar e desenvolver o autocontrole da criança. As pesquisas de Dunedin nos revelam como determinados fatores são capazes de moldar o sucesso escolar de crianças e adolescentes (discutiremos mais sobre as implicações desse estudo para a adolescência no Módulo IV, referente à etapa do Ensino Médio), inclusive influenciando desfechos na vida adulta. Neste momento, você, educador(a), já deve ser capaz de parar e refletir, a partir das suas práticas, quantas possibilidades de estimulação e desenvolvimento das capacidades de autocontrole existem.

Essa é uma reflexão importante a ser feita neste momento do curso, a fim de possibilitar a revisão de práticas e de buscar por estratégias pedagógicas capazes de incentivar as crianças a utilizarem de seus recursos de autocontrole. Para isso, você pode inicialmente rever a definição de autocontrole e procurar, em seus planos de ensino e atividades, de que forma tais capacidades estão sendo desenvolvidas. Caso não sejam identificadas atividades em potencial para o desenvolvimento de autocontrole, sugere-se a tarefa de revisão das práticas e inclusão de pequenas atividades que estimulem tal função. Você pode buscar exemplos nos materiais do curso a fim de construir estratégias capazes de atingir tal finalidade.

Um outro desafio que se impõe frente aos educadores refere-se ao preparo para intervir e manejar em certas situações no contexto da EI e que podem ter relação com a falta de desenvolvimento de autocontrole. Por exemplo, é comum que haja situações de brigas, agressões e mordidas entre crianças pré-escolares, o que pode ser um indicativo importante de dificuldades de autocontrole e inibição de impulsos. Apesar de próprias da rotina das escolas da EI, estas situações ainda mobilizam educadores e pais no que diz respeito às formas de manejo e possibilidades de intervenção. Acompanhar e buscar manejar tais casos através de propostas e atividades coletivas que estimulem o desenvolvimento de capacidades de autocontrole pode representar práticas interessantes a serem consideradas pelos educadores em sala de aula.

Figura 14. Desenvolvimento do autocontrole na infância


Fonte: Nossa autoria (2023).

Em casos como esses, também se faz necessário conversar com as crianças envolvidas e explicar aquilo que é ou não permitido em termos de comportamentos, procurando questionar e identificar quais foram os fatores motivadores (raiva, frustração) e referindo que tais reações (brigar, morder) não são as mais adequadas para lidar com a situação ocorrida e com os sentimentos despertados. É compreensível também que tal situação não signifique um problema de relacionamento ou de amizade; nem sempre a ocorrência de um fato assim significa um ato intencional e de conflito, mas sim algo que remete à falta de autocontrole e de capacidade de lidar com as próprias emoções (a frustração por ter perdido um brinquedo para a outra criança). Outro aspecto a ser considerado em situações como a representada é que, em crianças menores, o ato de morder pode ser uma expressão de algo, um meio de comunicar uma necessidade. Novamente, aqui, voltamos o foco às necessidades infantis, auxiliando a criança a expressar adequadamente tais necessidades, ser atendida e ter no ambiente um lugar seguro e com limites claros e bem estabelecidos.

Para finalizar este módulo, é sugerido aos educadores que assistam ao vídeo da Dra. Brenda Fitzgerald, o qual integra e reforça muitas das discussões e reflexões fomentadas. A mensagem principal do vídeo refere-se à capacidade dos bebês e crianças de aprenderem.

 

Os cérebros, segundo a pesquisadora, nascem prontos (preparados) para as aprendizagens. É a partir da relação que será desenvolvida entre esses cérebros novos e o mundo que os cerca (cuidadores, educadores) que se darão essas aprendizagens. A linguagem é apontada como um dos principais mecanismos de desenvolvimento do cérebro por meio de suas conexões neuronais e, consequentemente, de seu papel na fundação das aprendizagens humanas. Como exemplificado através do experimento da face imóvel, é a partir da interação, do estímulo e da qualidade do cuidado e acompanhamento que os cérebros se desenvolverão. Com o ingresso nos anos pré-escolares e escolares, os educadores passam a desempenhar esse importante papel, portanto, uma mensagem final que deve ser levada é a de que será na qualidade da prática pedagógica e, principalmente, da relação pela qual esta se dará que se desenvolverão as aprendizagens.

Muito se acredita na influência de diversos fatores externos para as aprendizagens iniciais da vida; porém, cada vez mais, se percebe que independentemente de outros fatores, a relação estabelecida entre educador e criança é essencial para o desenvolvimento futuro. São os estímulos, as palavras, a comunicação que permitirão que a criança interaja com o mundo, processo no qual a Dra. Brenda denominou de “nutrição da linguagem”. Assim, a linguagem torna-se um caminho para o desenvolvimento dos nossos neurônios e das aprendizagens humanas.


MATERIAL COMPLEMENTAR

Links nacionais interessantes:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/17/economia/1487331225_284546.html#?prm=copy_link
https://superaparaescolas.com.br/a-importancia-dos-jogos-pedagogicos-no-aprendizado/
https://superaparaescolas.com.br/atividades-de-estimulacao-cognitiva-7-exemplos-para-a-educacao-infantil/
https://superaparaescolas.com.br/atividades-extracurriculares-como-inserir-na-escola-exemplos-e-muito-mais/
Links internacionais interessantes:
https://soeonline.american.edu/blog/brain-based-learning
https://www.uagc.edu/blog/brain-based-strategies-help-learning
https://dunedinstudy.otago.ac.nz


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