Módulo 1 - Introdução ao estudo da neurociência aplicada à educação: a neuroeducação - Conceitos básicos em Neurociência: as funções cognitivas
Conceitos básicos em Neurociência: as funções cognitivas
Na seção anterior, foi apresentado e discutido, de forma geral, um pouco sobre cada uma das regiões do nosso cérebro responsáveis por mediar processos cognitivos essenciais para o desenvolvimento das nossas aprendizagens e desempenho escolar. Agora, conheceremos de forma detalhada mais sobre essas principais funções cognitivas. O estudo da Psicologia Cognitiva, um campo de estudo que integra também as chamadas Neurociências, nos auxilia na compreensão dos fenômenos que ocorrem “dentro” do nosso cérebro e da relação que eles possuem com nossos comportamentos. Busca estudar, por exemplo, como as pessoas percebem, aprendem, sentem, lembram, criam, planejam e tomam decisões. Todas essas habilidades devem-se às nossas capacidades cognitivas de sensação e percepção; atenção e memória; resolução de problemas; linguagem; e planejamento e tomada de decisão. São esses processos ou funções cognitivas que iremos discutir neste subtópico.
A Memória
Iniciaremos falando sobre os processos de memória e como eles possibilitam a aquisição das nossas aprendizagens. Sabemos que as informações que são aprendidas passam por um processo no qual ocorre a codificação, o armazenamento e, posteriormente, a recuperação deste conteúdo aprendido. Entende-se que as informações — ou input sensoriais — primeiramente são codificadas, ou seja, o estímulo ou informação recebidos são processados e transformados em um padrão de atividade neuronal.
Pensem em uma analogia simples do funcionamento de um computador:
Figura 19. Infográfico da analogia entre o funcionamento do armazenamento de informações por um computador e pela memória humana
Fonte: Nossa autoria (2023).
O psicólogo Donald Hebb, um dos pioneiros nos estudos sobre as bases de nossa memória, propôs inicialmente que esta resulta das várias alterações em conexões sinápticas, estando nossas memórias armazenadas em diferentes regiões do cérebro conforme a especificidade da informação. Por exemplo: nossas memórias espaciais teriam uma relação com hipocampo; nossas declarativas dos conhecimentos semânticos e episódicos adquiridos ao longo da vida teriam seu armazenamento em sub-regiões do lobo temporal; nossas aprendizagens de medo e a memória emocional teriam uma relação com a amígdala; aquelas memórias e aprendizagens motoras estariam ligadas ao funcionamento do cerebelo; e a ativação e manipulação das informações em um determinado momento teria relação com a chamada memória de trabalho, por meio da atividade do córtex pré-frontal. Estas regiões estariam conectadas formando uma rede neural da memória.
Assim, quando um neurônio responde a determinado estímulo e ativa outro, ocorrem mudanças na conectividade entre os dois, resultando em um fortalecimento desta ligação. Em situações futuras, o disparo deste mesmo neurônio aumentará a chance de conduzir a uma resposta do segundo neurônio. Essa seria uma reconhecida ideia de que neurônios que disparam juntos se tornam mais conectados.
Outra ideia interessante que nos ajuda a compreender como nossa memória funciona refere-se à forma pela qual as memórias são reconsolidadas. Karim Nader e Joseph LeDoux propuseram que ao ativarmos uma informação ou uma memória, teremos que novamente consolidá-la para que esta seja novamente armazenada. Ou seja, seguindo a analogia anterior do computador, ao abrirmos um determinado documento ou arquivo salvo, precisaremos salvá-lo novamente. Durante este processo, a nova versão salva daquele documento ou arquivo será distinta da anteriormente recuperada. Portanto, quando recuperamos determinadas informações armazenadas, estas serão afetadas e modificadas pelas informações que estão sendo processadas naquele momento. Isso influenciará nas características desta nova memória a ser reconsolidada (novamente armazenada), que inclusive poderá diferir daquela memória original.
Neste sentido, pode-se dizer que a memória se divide em três sistemas, Memória Sensorial; Memória de Curto Prazo e Memória de Longo Prazo, segundo teoria proposta por Atkinson e Shiffrin.
Figura 20. Representação dos três tipos de memória
Fonte: Nossa autoria (2023).
Existe um sistema de memória denominado sensorial, o qual processa os estímulos sensoriais que recebemos do ambiente. Nem todos estes estímulos serão processados pelos demais sistemas, ou seja, a maior parte destas informações se perde. Algumas informações, no entanto, para as quais direcionamos nosso foco atencional (aqui vemos a importância da atenção que falaremos mais adiante para os processos mnemônicos), serão processadas e alcançarão o sistema da memória de curto prazo.
A memória de curto prazo apresenta como características ser um sistema temporário, limitado em relação à sua capacidade e consciente. Ela é acessível a nossa consciência, porém o tempo de duração ou armazenamento é de apenas segundos ou minutos. Aqui é onde as informações adquirem pela primeira vez um significado. Comumente, usamos de recursos para manter o desempenho deste sistema de curto prazo a fim de que as informações fiquem disponíveis pelo maior tempo possível e possam ser adequadamente transferidas e armazenadas na memória de longo prazo.
Os principais recursos utilizados são os ensaios para manutenção, aqueles nos quais ficamos mentalmente ou até mesmo verbalmente repetindo as informações para melhorar nossa capacidade de retenção. Podemos usar essa estratégia de forma simplificada, apenas repetindo a informação; ou podemos elaborar este ensaio através de organizações e associações destas informações, por exemplo usando alguma relação lógica, associações a imagens ou até mesmo associações a possíveis funções para aquelas informações. Um exemplo disto seria associar itens a serem recordados em uma lista de supermercado a determinadas receitas que necessitam de tais itens para sua produção. Outra estratégia interessante é o agrupamento das informações em unidades, como quando ao invés de decorarmos um número de telefone ou a forma pela qual se escreve determinada palavra utilizando-nos dos itens ou unidades isoladas (número a número ou letra por letra), organizamos estas informações em blocos ou sílabas.
Figura 21. Representações de estratégias de memorização
Fonte: Nossa autoria (2023).
O último dos três sistemas refere-se à memória de longo prazo, na qual as informações armazenadas são mantidas por períodos prolongados de tempo, algumas delas supostamente pela vida toda. Discute-se, inclusive, se tal sistema teria uma capacidade ilimitada de armazenamento (como se fosse um disco rígido infinito) ou se existe uma limitação desta capacidade.
A memória de longo prazo, diferentemente da memória de curto prazo, não é consciente, porém, ao ser ativada (recuperada), ela passa a se tornar consciente e pode ser utilizada para atender determinada demanda do ambiente. Pode-se dizer que este é o processo que ocorre quando se exige que os alunos apliquem seus conhecimentos (como utilizar do conhecimento adquirido em determinada matéria) para responderem um exercício ou resolverem um problema matemático ou uma prova.
Figura 22. Representação de estudantes mobilizando memória de longo prazo para responderem avaliações em sala de aula
Fonte: Nossa autoria (2023).
Interessante destacar que pesquisas têm indicado que o armazenamento de longo prazo é potencializado quando o material codificado possui um significado. Em outras palavras, a codificação semântica é aquela que apresenta melhor recordação posteriormente, sugerindo que quanto mais aprofundada for a codificação dos conteúdos, melhor eles serão lembrados. Estas pesquisas normalmente comparam processamento semântico com outras estratégias utilizadas, como o processamento visual, no qual a estratégia se baseia na recordação pela aparência ou imagem, e o processamento acústico, estratégia baseada na rima.
A nossa memória de longo prazo pode ser compreendida através de uma divisão que define que os conteúdos armazenados no longo prazo podem se referir às memórias explícitas ou declarativas e às memórias implícitas ou não declarativas. Esta divisão é bem importante para que possamos entender os correlatos neurais, ou seja, as regiões do cérebro envolvidas em cada um dos tipos de aprendizagem.
Memória Explícita
A memória explícita refere-se ao tipo de memória que necessita de um esforço consciente, intencional, para sua recuperação. A maior parte dos conteúdos armazenados neste tipo de memória podem ser recordados e declarados verbalmente. Ela subdivide-se em memórias episódicas e memórias semânticas. As memórias episódicas relacionam-se aos eventos e situações (episódios) experienciados pela própria pessoa, como é o caso da nossa memória autobiográfica. Por outro lado, as memórias semânticas referem-se aos fatos e conhecimentos gerais adquiridos ao longo das experiências e da vida. Assim, se tomarmos o exemplo de um aluno que relata sua experiência da manhã no colégio para seus pais, estamos diante de uma recordação de base episódica. Porém, se este mesmo aluno começar a declarar os conteúdos que foram aprendidos numa aula sobre história do Brasil, temos uma recordação de sua memória semântica.
Memória Implícita
A memória implícita tem como característica não requerer um esforço consciente para sua recuperação. Isso significa que muitas das aprendizagens armazenadas deste tipo de memória são adquiridas pela repetição de comportamentos ou pela associação de estímulos, sem que ao final precisemos estar conscientes de todos os passos envolvidos no processo de aquisição. Nossas habilidades e hábitos motores são bons exemplos deste tipo de memória, assim como aquelas aprendizagens que temos a partir do condicionamento de estímulos, como o toque do sinal da escola significar o final do período.
A recuperação é um ato importante para que possamos trazer as informações armazenadas na memória de longo prazo novamente para um estado ativo. Quando lembramos de determinada informação, podemos fazer isso através de uma recordação livre, ou seja, espontaneamente nos recordamos de uma informação específica e que deve ser recuperada frente a uma demanda. Ao realizarmos uma avaliação, por exemplo, pedimos ao aluno que explique determinado conceito aprendido e que exemplifique ou relacione este conceito a partir de determinado contexto. Esta é uma situação que requer uma recordação livre das informações sobre aquele determinado conceito que foram armazenadas durante o processo de aprendizagem. A recordação pode ser facilitada quando se oferece pistas, ou seja, conteúdos e informações que sirvam como gatilhos para a busca da informação a ser recuperada.
Outra estratégia de recuperação de informações armazenadas na memória de longo prazo é através do reconhecimento. O reconhecimento ocorre quando somos apresentados a determinado estímulo (informação) e precisamos dizer se aquele estímulo é algo a que já fomos expostos, ou seja, se aquela informação já nos foi apresentada anteriormente — no caso, se fez parte dos conteúdos que nos foram ensinados. Pode-se fazer o reconhecimento, também, por meio da identificação de um estímulo em uma lista de alternativas, como ocorre muitas vezes em avaliações objetivas dos conteúdos aprendidos utilizando-se de questões de múltipla escolha.
Até o momento, compreendemos melhor como as informações que chegam através dos diferentes estímulos são codificadas, armazenadas e retidas em nosso sistema de memória; porém, uma parte importante do processo que nos permite aprender e armazenar novos conteúdos refere-se ao esquecimento. O esquecimento é parte do processo e é através dele que somos capazes de renovar nossa capacidade de armazenamento. Informações que deixam de ser relevantes ou que não são mais utilizadas tendem a se enfraquecerem enquanto traço de memória e serem esquecidas. Esse processo é denominado decomposição.
O esquecimento pode se dar também por uma falha no processo inicial de entrada da informação, a chamada falha de codificação, ou seja, quando não há um adequado direcionamento do foco atencional para o material-alvo e, por esta razão, a informação não fica disponível tempo suficiente para ser codificada pela nossa memória de curto prazo.
Ainda, existem alterações na memória, as chamadas amnésias, que conduzem ao esquecimento e perda de informações. As amnésias são classificadas em anterógrada e retrógrada.
A amnésia anterógrada refere-se à perda de informações e ao esquecimento a partir de um determinado momento, como no caso descrito do paciente H. M., em que ele, após a cirurgia realizada, perdera a capacidade de reter informações que lhe eram apresentadas. Observa-se aqui a presença de uma condição amnésica anterógrada.
A amnésia retrógrada, por sua vez, refere-se à perda de informações e ao esquecimento de fatos anteriores a determinado evento. Se usássemos o mesmo exemplo do paciente H. M., ele, ao invés de não ser capaz de reter novas informações a partir da cirurgia, apresentaria uma incapacidade de recordar de eventos e informações anteriores à cirurgia, ou seja, de sua história ou de suas aprendizagens até então.
A Memória de Trabalho
O modelo da Memória de Trabalho (MT) foi proposto por Baddeley e Hitch inicialmente na década de 1970, com o propósito de substituir o entendimento proposto sobre o funcionamento da memória de curto prazo. No modelo da MT, discute-se que este sistema não apenas seria responsável por armazenar temporariamente a informação, como também por processá-la de forma ativa, isto é, por manipular os conteúdos durante um período limitado de tempo. A ideia da existência de uma MT operacional representa uma mudança de perspectiva quanto à função do sistema de memória de curto prazo, passando esta a desempenhar um papel ativo no processamento das informações, integrando e manipulando um conjunto limitado de informações, como se fosse uma memória on-line.
A MT, portanto, refere-se à capacidade de manter as informações em um estado ativo para que possamos desempenhar tarefas ao mesmo tempo. Inclui também a capacidade de ativar memórias do sistema de longo prazo a fim de integrar experiências anteriores com as demandas atuais. Assim, este sistema de armazenamento retém as informações somente durante a execução de determinada atividade. Além disso, o sistema inclui o papel do controle atencional como um sistema que desempenha a função de alocar os recursos atencionais para o adequado funcionamento da MT.
No vídeo a seguir, um psicólogo educacional, professor Peter Doolittle, exemplifica de maneira objetiva os conceitos relacionados à MT, sugerindo a importância desta função para nossa vida através da compreensão do que ocorre em cada momento das experiências.
Conseguimos compreender, a partir da exposição do professor Peter, como a MT nos possibilita trabalhar com conteúdos e informações para alcançar nossos objetivos, incluindo o de aprender. Ele refere como indivíduos com alto desempenho de memória de trabalho conseguem obter melhores resultados em diferentes contextos, o que inclui habilidades de escrita e raciocínio lógico. O professor fala também de estratégias que podem melhorar o desempenho da MT, através da repetição, integração dos novos conhecimentos, estruturação e organização das informações, isto é, precisamos processar adequadamente as informações para que consigamos aprender. Esta seria a peça-chave da aprendizagem: se utilizar de estratégias que otimizem e possibilitem nosso melhor processamento das informações e conteúdos.
Em seu modelo atual, a MT divide-se em quatro subcomponentes: Alça Fonológica; Esboço Visuoespacial; Buffer Episódico; e Executivo Central. Os dois primeiros subsistemas são responsáveis pelo armazenamento e processamento de informações codificadas verbalmente e visualmente, respectivamente.
Alça Fonológica
A alça fonológica opera como um armazenador ou memória fonológica de curto prazo, processando informações verbais (escritas, faladas, números), sejam elas apresentadas por via auditiva ou visual. O uso de estratégias de ensaio articulatório subvocal impedem que as informações verbais entrem em declínio, mantendo-as ativas nas memórias.
Esboço Visuoespacial
O esboço visuoespacial opera como um armazenador de manutenção de informações visuais e espaciais referente aos objetos e às relações espaciais, sendo importante para a manipulação de imagens mentais, para compreensão de sistemas complexos de orientação espacial e geográficos e para a leitura. Esta última é possível pela capacidade de retenção das palavras lidas na memória, pois apesar de não “gravarmos” na memória todas as palavras que lemos, para a compreensão é importante que haja a retenção das últimas palavras lidas em uma sentença.
Uma comparação interessante entre os dois sistemas se refere às suas contribuições. Por exemplo, sugere-se que a alça fonológica contribua para aquisição de linguagem, sendo plausível supor que, em contraponto, o esboço visuoespacial possui papel na aquisição do conhecimento semântico, o qual envolve a aparência, função e operação dos objetos.
Buffer Episódico
O buffer episódico é o subcomponente responsável por integrar as informações mantidas temporariamente na alça fonológica e no esboço visuoespacial com informações provenientes da memória de longo prazo, criando uma espécie de “espaço de trabalho” dentro da MT. As memórias de longo prazo, uma vez ativadas, juntam-se às informações que estão sendo processadas pela MT em uma representação episódica única. É um sistema que permite que a MT opere trabalhando com nossas memórias. Além disso, a capacidade do buffer episódico, embora limitada, possibilita o gerenciamento de uma grande quantidade de informações, indo além das capacidades de armazenamento fonológico e visuoespacial.
Executivo Central
Por fim, o executivo central é considerado o sistema supervisor da MT, não possuindo capacidade de armazenamento de informações, porém sendo sugerido como um componente essencial para que a MT opere. Segundo Baddeley, como a atenção é um pré-requisito para o armazenamento e a manipulação das informações, a MT deveria ser dependente da alocação de recursos atencionais, sendo esta a principal função representada pelo executivo central. Ainda, sugere-se que o executivo central desempenhe a função de controle inibitório, focando os recursos da MT naquilo que é relevante e inibindo informações distratoras. Ele é o sistema capaz de executar planos e estratégias, evocar informações da memória de longo prazo e coordenar várias atividades cognitivas ao mesmo tempo.
Em conjunto, os quatro componentes parecem estar implicados nas nossas atividades cognitivas superiores, sendo fundamentais para a aquisição das aprendizagens, compreensão da linguagem, leitura, aritmética, resolução de problemas e produção da consciência.
Discute-se atualmente que a MT talvez seja um dos processos cognitivos mais importantes e que nos permite responder às várias demandas do ambiente, desempenhando nossas atividades diárias. Sabe-se que a MT possui uma relação bastante próxima com as medidas de inteligência, sendo um preditor importante do desempenho escolar e acadêmico, assim como, na vida adulta, do desempenho e sucesso profissional.
A Atenção
Atenção refere-se a outra função cognitiva importante a ser mais bem compreendida, pois possui relação direta com os processos de aprendizagem e memória. Em poucas palavras, a definição de atenção poderia ser resumida a nossa capacidade de focar seletivamente em determinados estímulos enquanto somos capazes de evitar outros (distratores). Estes estímulos se referem a todas as informações que são capturadas pelos nossos sentidos, nossas memórias armazenadas e outros processos cognitivos. Assim, pode ser compreendido também como a capacidade que temos de direcionar nossos recursos cognitivos para processar informações que estão sendo recebidas pelo nosso cérebro.
Figura 23. Representação de uma pessoa concentrada
Fonte: Nossa autoria (2023).
A natureza seletiva da nossa atenção faz com que tenhamos uma capacidade limitada de processamento das informações captadas pelos nossos sentidos. Pode-se dizer que a atenção funciona como uma espécie de porta de entrada que se abre para aquelas informações mais importantes que chegam ao nosso cérebro enquanto fecha-se para informações irrelevantes e que seriam responsáveis por consumir nosso recurso cognitivo sem maior necessidade. Considerando isso, sabe-se que existem limites para nossos recursos atencionais. A quantidade de informações que precisamos processar é algo que influencia nossa capacidade atencional, representando um destes limites.
A capacidade de foco, ou seja, de reduzir o direcionamento dos nossos recursos atencionais para estímulos, sejam eles internos ou externos, aumenta a probabilidade de emitir respostas rápidas, precisas e adequadas frente aos estímulos importantes do ambiente. Ainda, os limites do direcionamento dos recursos atencionais fazem com que tenhamos uma maior capacidade de recordar e aprender a partir de informações para as quais conseguimos ter sucesso na alocação da nossa atenção, ou seja, daquelas informações nas quais estamos prestando atenção. Já se sabe também que fatores motivacionais (como interesse específico em determinado conteúdo ou informação), emocionais (como ansiedade e humor), além da prática em relação a determinada tarefa que exija nossa atenção são capazes de alterar o desempenho da nossa atenção.
Atenção seletiva
A atenção pode ser mais bem compreendida através da divisão por suas funções ou tipos de atenção. Uma das mais importantes funções se refere à chamada atenção seletiva, que é o direcionamento da atenção para determinado estímulo ou informação-alvo. É a capacidade que temos de nos concentrarmos conscientemente em um ou vários estímulos, ignorando os demais. Um exemplo disso é quando um aluno em sala de aula é capaz de manter sua atenção focada na explicação do educador sem que isso seja prejudicado por distratores ambientais, tais quais os colegas conversando ou ruídos externos.
Atenção sustentada
Alguns autores sugerem que, para além da atenção seletiva, pode-se definir a atenção como um processo sustentado (concentrado), denominando-se de atenção sustentada aquela na qual conseguimos manter o foco atencional durante um período prolongado. Neste sentido, não somente selecionamos o foco atencional, como somos capazes de mantê-lo em um mesmo estímulo. A atenção seletiva ainda é sugerida como uma espécie de filtro, funcionando a partir de processos automáticos e rápidos, os chamados processos pré-atencionais, que de forma paralela processam características sensoriais físicas da mensagem na qual não se presta atenção, ou seja, da qual não tomamos consciência ou significado; e a partir de processos controlados, os chamados processos atentivos. Estes últimos requerem um processamento em série e consomem nosso recurso cognitivo atencional a fim de processar em detalhes e dar significado aos estímulos.
Atenção dividida
Outra função e tipo de atenção é a chamada atenção dividida, a qual nos permite direcionar nossos recursos atencionais para o processamento da informação ou para a realização de duas ou mais tarefas distintas ao mesmo tempo. A divisão dos recursos atencionais possibilita, assim, a automatização da execução de tarefas: conseguimos, por exemplo, dirigir um carro sem precisar pensar em todas as tarefas necessárias para tal finalidade. Ao dividirmos a atenção, no entanto, temos que ter em mente que nosso desempenho sofre algum tipo de prejuízo, ou seja, perdemos a capacidade de processar as informações e mantê-las acessíveis à nossa mente.
Atenção alternada
Além das capacidades de selecionar e dividir os recursos atencionais, também somos capazes de alternar tais recursos de modo voluntário, usando de recursos de natureza executiva (que discutiremos a seguir), a fim de possibilitar a mudança do foco atencional para resolver possíveis conflitos em situações que exijam inibição, flexibilidade e alternância. Portanto, a atenção alternada refere-se à nossa capacidade de atender ora um estímulo, ora outro, sendo este um processo relacionado a flexibilidade mental. Por fim, pode-se falar das funções de sondagem e vigilância. Estes dois processos referem-se à busca ativa de um estímulo em determinado campo visual (ambiente) — sondagem — ou à espera para detecção de um estímulo-alvo — vigilância.
As Funções Executivas
Nos tópicos anteriores entendemos mais a respeito dos processos que nos permitem direcionar, alternar, manter ou dividir o foco atencional e, também, discutimos a respeito do funcionamento da nossa memória e como a memória possui relação com a nossa capacidade de aprendizagem. A partir de agora conheceremos mais sobre uma das mais debatidas funções cognitivas, as chamadas funções executivas.
As funções executivas incluem os processos cognitivos mais complexos do nosso cérebro, que são responsáveis pela evolução do nosso repertório comportamental e das capacidades humanas.
Diversos processos são referidos como associados ao funcionamento executivo, mas podemos destacar que os principais incluem:
- a antecipação (previsão);
 - a seleção de objetivos;
 - o planejamento e iniciação das ações;
 - a capacidade de autorregulação e controle dos impulsos e emoções;
 - a flexibilidade mental;
 - a coordenação da atenção e automonitoramento.
 
De certo modo, as funções executivas formam um conjunto de ações deliberadas, isto é, controladas pelo próprio indivíduo, com objetivo de alterar os resultados futuros. Assim, é através das funções executivas que somos capazes de perceber o ambiente, responder de forma adequada e adaptativa e antecipar cenários futuros considerando os possíveis desfechos e consequências.
As funções executivas podem ser vistas como um termo “guarda-chuva” para diferentes processos cognitivos que atuam de forma conjunta, como por exemplo: atenção alternada e seletiva, memória de trabalho, flexibilidade cognitiva, controle inibitório, julgamento e tomada de decisão, iniciação, organização, autorregulação e resolução de problemas.
No geral, estas funções se desenvolvem nos primeiros anos escolares e estendem-se até a vida adulta, ainda que processos como o controle atencional maturem primeiro em comparação às capacidades de flexibilidade cognitiva ou de estabelecimento de metas. Aprofundaremos algumas dessas funções que possuem direta relação com o processo de aprendizagem e de desenvolvimento da criança ao longo dos anos escolares.
O controle inibitório envolve a capacidade de resistir ao impulso de alguma ação ou atitude, adequando o comportamento ao que é esperado para aquela situação ou ao que é necessário. É a resistência ao agir/reagir por impulso. Pensar antes de agir, resistir às tentações ou distrações e evitar tirar conclusões precipitadas frente às situações. Envolve também a capacidade de sustentar a atenção no que é importante, apesar das várias distrações presentes no ambiente. Entende-se que o controle inibitório é fundamental para termos disciplina frente às demandas e desafios do ambiente, persistência mesmo quando a tarefa é tediosa ou complexa e para sermos capazes de trabalhar embora a recompensa esteja somente no longo prazo.
Figura 24. Crianças em sala de aula tentando resistir às distrações ao seu redor
Fonte: Nossa autoria (2023).
Alguns transtornos globais do neurodesenvolvimento, como o caso do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, são condições em que há um prejuízo significativo na capacidade do indivíduo em exercer o controle inibitório.
Em contrapartida, diversos experimentos já foram realizados para avaliar controle inibitório em crianças pequenas, aproximadamente de 4 anos de idade, revelando que a capacidade de postergar gratificações e recompensas está relacionada com o melhor desenvolvimento do controle inibitório e, futuramente, com desempenho acadêmico e de enfrentamento de adversidades. Por exemplo, crianças de 4 anos testadas através da famosa tarefa do marshmallow que conseguiram esperar e postergar o ganho da recompensa apresentaram melhor desempenho e sucesso acadêmico na adolescência, além de melhor desempenho em tarefas de controle inibitório na idade adulta.
Figura 25. Criança olhando atentamente para um marshmallow
O desenvolvimento do autocontrole é importante para que a criança seja capaz de regular não somente suas respostas atencionais e comportamentais, como também seus pensamentos e sentimentos, auxiliando no desenvolvimento da autorregulação e da chamada regulação emocional. Por exemplo, o autocontrole auxilia uma criança em sala de aula a inibir comportamentos inapropriados para o momento, como falar ou gritar enquanto o professor está passando uma explicação para a turma; ou mesmo reações emocionais desproporcionais, como se jogar no chão quando está frustrada ou não consegue o que quer.
A flexibilidade cognitiva é a segunda função executiva que se mostra fundamental para o desenvolvimento das crianças e adolescentes ao longo do período escolar. Refere-se à capacidade de modificar rapidamente e de maneira adequada perspectivas atendendo às demandas e prioridades do ambiente. De pensar em formas alternativas de resolver problemas usando o raciocínio. Em resumo, refere-se àquilo que é necessário para nos adaptarmos ao ambiente, que se encontra em constante mudança.
Figura 26. Representação ilustrativa da função executiva flexibilidade cognitiva
Fonte: Nossa autoria (2023).
A última função a ser destacada (flexibilidade cognitiva) envolve o raciocínio e a resolução de problemas. Ambos se referem ao processo mental pelo qual informações são utilizadas para se criar conclusões e tomar decisões. A partir dessa função, somos capazes também de cumprir etapas para buscar alguma meta ou objetivo, por meio da resolução de problemas ou desafios em potencial.
O TED Talk a seguir apresenta a pesquisadora Sabine Doebel, cientista cognitiva, descrevendo como podemos compreender o funcionamento das funções executivas no nosso dia a dia. Ela destaca resultados de experimentos e pesquisas que desenvolve com crianças e o curso do seu desenvolvimento, abordando possíveis fatores contextuais que afetem o uso dessas funções e de que forma podemos direcionar nossos esforços executivos para atingir nossos objetivos e romper com maus hábitos.
Como mostrado no vídeo, apesar de existirem tarefas interessantes e que podem ser utilizadas em crianças, desde cedo, para estimular o desenvolvimento das funções executivas, o simples fato de treinar não conduzirá necessariamente a um melhor funcionamento executivo na “vida real”. Na tarefa de mudança dimensional na seleção de cartas, exemplificada no vídeo, é exigido que as crianças separem as cartas apresentadas de uma determinada maneira (seguindo uma regra específica), como, por exemplo, através da sua forma. Após separarem e organizarem as cartas de determinada maneira, cria-se um hábito. Pede-se, então, que as crianças alterem a forma de separação das cartas, como, por exemplo, através da sua cor. Tal tarefa se mostra extremamente difícil para crianças de 3 a 4 anos. Com o avanço da idade e do desenvolvimento, é esperado uma melhora no desempenho da tarefa, e os erros por perseveração de comportamento tendem a diminuir.
Ainda que o treinamento em tarefas deste tipo leve a uma melhora de desempenho, mesmo em idades mais iniciais, isto não significa que a aplicabilidade destas habilidades seja transferida para outras demandas do ambiente, como habilidades matemáticas, de raciocínio frente a problemas ou mesmo para reconhecer suas próprias emoções e as de outros. Isso nos ajuda a compreender que o contexto é extremamente importante para o uso das nossas funções executivas.
Como mostrado no vídeo, apesar de existirem tarefas interessantes e que podem ser utilizadas em crianças, desde cedo, para estimular o desenvolvimento das funções executivas, o simples fato de treinar não conduzirá necessariamente a um melhor funcionamento executivo na “vida real”. Na tarefa de mudança dimensional na seleção de cartas, exemplificada no vídeo, é exigido que as crianças separem as cartas apresentadas de uma determinada maneira (seguindo uma regra específica), como, por exemplo, através da sua forma. Após separarem e organizarem as cartas de determinada maneira, cria-se um hábito. Pede-se, então, que as crianças alterem a forma de separação das cartas, como, por exemplo, através da sua cor. Tal tarefa se mostra extremamente difícil para crianças de 3 a 4 anos. Com o avanço da idade e do desenvolvimento, é esperado uma melhora no desempenho da tarefa, e os erros por perseveração de comportamento tendem a diminuir.
FONTE: AVAMEC











































