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Formação em Neuroeducação - Módulo 1 - Parte 4


MÓDULO 1 - Parte 4 - Introdução ao estudo da neurociência aplicada à educação: a neuroeducação - Conceitos básicos em Neurociência: como se divide nosso sistema nervoso e quais as funções das diferentes regiões cerebrais


Nosso sistema nervoso é dividido, de forma geral, no SNC e no Sistema Nervoso Periférico (SNP). O SNC é composto pelo encéfalo, nosso cérebro, e pela medula espinhal, enquanto o SNP é subdividido em SNP Somático e SNP Autônomo, este último correspondendo aos sistemas simpáticos e parassimpáticos, coordenando as respostas dos indivíduos aos diferentes estímulos ambientais.

O SNP é composto por nervos e gânglios, os quais têm a função de conectar o SNC ao restante do corpo. Os nervos são formados por dendritos e axônios que se projetam pelo corpo, recebendo e conduzindo informações para as diferentes partes. Esses nervos podem ser classificados como nervos sensoriais ou motores. Já os gânglios são formados por pequenas dilatações contendo grupos de corpos celulares de neurônios, no caso deste sistema dos nervos que se projetam pelo corpo.

Figura 05. Representação da divisão do sistema nervoso

Fonte: Adaptada de Bear, Connors e Paradiso (2017).

É importante saber que esta divisão mais geral do SNP pode ser definida a partir do que se denomina divisão sensitiva (ou aferente) e divisão motora (ou eferente).


Divisão sensitiva

A divisão sensitiva é composta por vias sensitivas somáticas e por vias sensitivas viscerais. As vias somáticas respondem, de forma geral, a toque, dor, vibrações, temperatura e propriocepção da pele, parede corporal e membros; e, de forma específica, aos estímulos auditivos e visuais. Já as vias viscerais correspondem aos estímulos viscerais, a exemplo de quaisquer alterações ou sensações percebidas em nossos órgãos internos do corpo.


Divisão motora

A divisão motora é composta pela parte somática, que corresponde a toda inervação motora dos nossos músculos esqueléticos, responsáveis pelo movimento; e pela parte autônoma (visceral), a qual se refere a toda inervação motora dos músculos lisos, músculo cardíaco e glândulas. A parte autônoma, por fim, ainda se divide nos referidos sistemas simpático e parassimpático.

O sistema nervoso somático é responsável pelo primeiro estágio de processamento das informações sensoriais que chegam ao nosso corpo. É este sistema que integra e ativa os comandos para que os diferentes tipos de músculos (esqueléticos, lisos viscerais e glandulares) presentes em nosso corpo respondam frente à estimulação. 

As respostas coordenadas podem ser desde simples reflexos, comandados pela medula, como, por exemplo, o reflexo de flexão do joelho frente ao toque de um martelo neurológico (Figura 6); até respostas mais complexas coordenadas por diferentes regiões do nosso cérebro. Assim, nem todas as informações necessariamente precisam chegar até nosso cérebro para serem processadas e haver uma resposta motora. Tal mecanismo mostra-se adaptativo a fim de conferir rápidas respostas dos organismos, auxiliando na nossa sobrevivência.

Figura 06. Representação ilustrativa do reflexo patelar

Fonte: Nossa autoria (2023).

O sistema nervoso autônomo consiste nas projeções neuronais que inervam órgãos internos, vasos sanguíneos e glândulas secretoras. Refere-se a um sistema que não é de controle voluntário do indivíduo, sendo suas respostas regulatórias automáticas, razão pela qual também é conhecido como sistema vegetativo. Esse sistema é, portanto, o responsável por dar início a uma série de respostas fisiológicas (como aumento da frequência cardíaca e pressão arterial, aumento da atividade metabólica, dilatação da pupila, secreção de suor ou secreção de hormônios como adrenalina e noradrenalina). 

A partir de uma resposta simpática, esse mesmo sistema procura restabelecer o equilíbrio e a homeostase do organismo, estimulando a ativação das funções da outra divisão, parassimpática, o que faz com que todas as mudanças fisiológicas transitórias anteriores se restabeleçam. Desta forma, o sistema nervoso autônomo funciona mediante um balanço entre excitação e inibição sináptica, a fim de manter a homeostase do organismo.

Para além das divisões detalhadas acima, podemos compreender nosso cérebro através de algumas proposições de divisões anatômicas bem como através das funções associadas a cada uma destas regiões. Embora tais afirmações possam remeter a paradigmas localizacionistas sobre o entendimento do funcionamento do cérebro, não mais vigentes em nossa compreensão atual, sabemos que existem regiões que são centrais para determinados processos cognitivos.

Nosso cérebro apresenta dobraduras chamadas de giros e separadas por fissuras, também conhecidas como sulcos. Acredita-se que o nosso cérebro, em seu formato atual, tenha sido fruto de um crescimento exponencial no número de células durante a evolução, tendo este crescimento superado a capacidade de crescimento evolutivo da caixa craniana, o que fez com que houvesse a necessidade da presença de dobras, os giros e sulcos.

Figura 07. Representação ilustrativa do cérebro humano

Fonte: Nossa autoria (2023).

A primeira divisão, mais geral, é a hemisférica, que separa o cérebro em dois hemisférios, esquerdo e direito. Os dois hemisférios estão integrados por uma região chamada de corpo caloso. Algumas funções podem ser consideradas lateralizadas, ou seja, determinada função presente em um hemisfério não é compartilhada pelo outro. Desta forma, sugere-se que o hemisfério esquerdo tenha um papel predominante para análise linear de raciocínio lógico e matemático e  para tarefas que envolvam símbolos abstratos, especialmente aqueles relacionados ao pensamento verbal; enquanto o hemisfério direito parece estar mais relacionado à análise holística (percepção de estruturas e formas globais), ao pensamento intuitivo, à orientação espacial e à expressão não verbal.

Figura 08. Divisão hemisférica do cérebro


Pode-se também adotar uma classificação embriológica que segue o processo de neurodesenvolvimento desde o período gestacional. Esta divisão estabelece uma divisão encefálica em: telencéfalo (região cortical), diencéfalo (região subcortical), tronco encefálico (composto pelo mesencéfalo, ponte e o bulbo), cerebelo e a medula espinhal. Nos aprofundaremos mais sobre as funções do telencéfalo e do diencéfalo ao longo do curso, uma vez que são nestas regiões que a maioria das nossas funções cognitivas têm seu processamento, assim como nossas aprendizagens, linguagem e emoções.

Figura 9. Divisão encefálica


Fonte: Nossa autoria (2023).

Aqui, apenas como informação complementar, cabe destacar que o tronco encefálico corresponde ao pequeno talo que liga a medula ao SNC. Praticamente todas as projeções sensoriais passam por esta região, que é uma espécie de ponte de ligação entre o cérebro e a medula. Entre suas funções, podemos dizer que o tronco encefálico é responsável pelo controle da atividade elétrica cortical, pela regulação do ciclo sono-vigília, pelo controle de sensibilidade à dor, pelo controle do sistema nervoso autônomo, pelo controle endócrino e pela integração de reflexos, como nos centros respiratórios e vasomotores.

É também no tronco encefálico que estão localizados núcleos formados por conglomerados de neurônios, como os núcleos da rafe, o locus coeruleus e a área tegmental ventral, com a importante função de síntese e produção dos principais neurotransmissores, a exemplo da serotonina, noradrenalina e dopamina. Lesões profundas na região do tronco encefálico podem ocasionar sérias complicações e até levar a óbito, uma vez que nesta região se encontram aglomerados de neurônios que regulam batimentos cardíacos, respiração e várias outras funções vitais do nosso organismo.

O cerebelo é outra região referida da qual, até pouco tempo atrás, se conhecia pouco a respeito, mas que vem sendo cada vez mais foco das investigações nos estudos do cérebro. Participa do controle dos movimentos voluntários, que envolvem planejamento, controle do tônus muscular, equilíbrio e postura, além de ter uma importante função nas aprendizagens motoras (referidas como aprendizagens e memórias implícitas, em outras palavras, as aprendizagens de “como” fazer). Ele recebe informações dos neurônios envolvidos com funcionamento motor, na parte anterior, vindos da medula espinhal e, em sua parte posterior, do córtex cerebral motor.

Outra divisão importante, bastante referida nos livros de Neurociência e Neuropsicologia e que nos ajuda muito a entender a relação de diferentes porções do nosso cérebro com os processos cognitivos e com os comportamentos associados é a divisão em lobos. Esta divisão, mostrada na Figura 10, compreende os lobos frontal, temporal, parietal e occipital; além dos córtex motor e sensório (os dois últimos correspondentes às funções de integração e processamento das informações relacionadas a movimentos e sensações).

Figura 10. Divisão dos lobos cerebrais


Fonte: Nossa autoria (2023).


LOBO FRONTAL - O lobo frontal possui como principais funções associadas: o pensamento, o planejamento, a organização, a resolução de problemas, a tomada de decisão, o controle inibitório e a regulação dos impulsos e das emoções.


LOBO TEMPORAL - O lobo temporal é a região que corresponde às funções de aprendizagem, memória, expressão e compreensão da linguagem e das emoções.


LOBO OCCIPITAL - O lobo occipital é reconhecido principalmente por sua participação no processamento dos estímulos visuais.


LOBO PARIETAL - O lobo parietal refere-se ao processamento de estímulos perceptuais, significação de mundo, além de ser importante para o processamento de informações aritméticas e para a grafia.


Uma última divisão que nos auxilia a “navegar” pelo nosso cérebro é aquela baseada na direcionalidade. Esta subdivisão separa o cérebro em suas porções anterior (rostral) e posterior (caudal), as quais podemos chamar leigamente de porção “da frente” e “de trás” a partir de uma perspectiva de visão frontal do encéfalo; superior (dorsal) e inferior (ventral), ou seja, considerando a mesma visão frontal, a “parte de cima” e a “parte de baixo”; e lateral e medial, que se referem às partes mais externas e às mais internas, respectivamente.

Esses eixos tornam-se importantes quando analisamos imagens do cérebro com cortes em diferentes sentidos, como cortes sagitais (dividindo o corpo em lados esquerdo e direito), cortes coronais (dividindo o corpo em partes da frente e de trás) e cortes transversais (dividindo o corpo em porções superiores e inferiores).

Figura 11. Planos anatômicos



Conceitos básicos em Neurociência: as principais regiões do cérebro responsáveis pelas funções cognitivas, aprendizagens e expressão dos comportamentos

Caro(a) Professor(a), neste subtópico do Módulo I, vamos detalhar as principais regiões do nosso cérebro que são responsáveis pela expressão dos nossos comportamentos, pensamentos e emoções. O funcionamento destas regiões, por exemplo, contribui diretamente para que nossas aprendizagens ocorram e, também, para que nossas memórias sejam formadas, servindo de base para a construção do nosso conhecimento ao longo da vida.

Você, educador(a), ao conhecer melhor as respectivas funções associadas à atividade de cada uma destas regiões, vai ser capaz de não somente melhor entender como nosso cérebro processa todas as informações que chegam até ele, como também de compreender que, em casos de desenvolvimento atípico, a exemplo das síndromes e dos transtornos do neurodesenvolvimento, podemos ter um comprometimento importante de seu funcionamento e, consequentemente, observamos alterações significativas nas capacidades de aprendizagens, habilidades de leitura e escrita, habilidades matemáticas, habilidades sociais e habilidades de regulação emocional.

Começaremos discutindo uma das regiões-chave para os processos de aprendizagem e memória: o hipocampo. Trata-se da estrutura bilateral que está localizada nos lobos temporais, com formato similar ao de um cavalo marinho (Figura 12).

Figura 12. Representação de um cérebro humano com o hipocampo em destaque, comparado a um cavalo marinho

Fonte: Nossa autoria (2023).

O hipocampo possui papel específico nos processos de aquisição e consolidação das nossas memórias, embora tal participação seja de certo modo complexa de se compreender, considerando todos os processos de base biológica envolvidos.

O hipocampo contribui para a transferência de informações da nossa chamada memória de curto prazo para a memória de longo prazo. Também é a região responsável por criar um mapa cognitivo do nosso ambiente, relacionando características visuais com características espaciais, o que possibilita a adequação das nossas respostas conforme variações do ambiente.

Mais especificamente, em sua porção posterior, o hipocampo está envolvido nos processos cognitivos da aprendizagem e memória, particularmente naqueles associados ao desenvolvimento da capacidade de orientação, exploração do ambiente e locomoção. Já em sua porção anterior, ele tem envolvimento com as emoções e o comportamento motivado. Lesões no hipocampo podem trazer significativos prejuízos em nossa memória, resultando em amnésias anterógradas, ou seja, na perda da capacidade de armazenar e reter novas informações a partir de um evento. Esse tipo de prejuízo indica a participação do hipocampo na formação das memórias declarativas e tem como um exemplo clássico dos estudos da Neurociência o caso do paciente Henry Molaison, mais conhecido como H. M.

A MEMÓRIA DE H. M.

Henry Molaison, cientificamente conhecido como H. M., foi um jovem de 27 anos que sofria de epilepsia grave. Tinha várias crises convulsivas em um mesmo dia, impossibilitando-o de ter funcionalidade na vida. Os tratamentos da época se mostraram ineficazes para conter as crises e permitir que H. M. vivesse uma vida normal. As crises tinham origem em uma região do cérebro localizada nos lobos temporais e se espalhavam ao longo do cérebro.

Um dos tratamentos para casos refratários e graves de epilepsia, à época, era através da cirurgia de remoção da região de origem das crises. Considerando a gravidade do caso, decidiu-se na época que a intervenção cirúrgica era o mais adequado para H. M. Assim, cirurgicamente, foram removidas partes da região de seu lobo temporal medial, incluindo uma região denominada hipocampo. Aparentemente a cirurgia havia sido um sucesso, uma vez que H. M. se recuperou bem e, ao que parecia, havia parado de ter crises convulsivas recorrentes.

Figura 13. Comparação entre um cérebro comum e o cérebro de H. M. (hipocampo removido)



Fonte: Nossa autoria (2023).

No entanto, com o passar dos dias, descobriu-se um efeito inesperado do procedimento cirúrgico realizado. H. M. era incapaz de se lembrar das informações a ele apresentadas por períodos superiores a alguns minutos. Apesar de ser capaz de lembrar de episódios de sua vida anteriores à cirurgia, ter um funcionamento cognitivo global preservado e acima da média, com habilidade de raciocínio lógico também preservada, H. M. parecia não reter mais quaisquer informações que lhe fossem apresentadas. Ele fora acompanhado ao longo de muitos anos por alguns pesquisadores, entre eles uma psicóloga, Branda Milner, a fim de se obter um entendimento do que lhe havia ocorrido a partir da remoção cirúrgica daquela região.

Para H. M., todos os dias eram novidade, ele apresentava um caso clássico de amnesia anterógrada, ou seja, não era capaz de recordar nenhuma informação após um evento, passado um período curto de tempo. Porém, todo restante das suas capacidades cognitivas parecia preservado e, ainda, descobriu-se que H. M. era capaz de aprender novas tarefas motoras, mesmo sem ter consciência ou a lembrança de que havia sido exposto ao estímulo. Por exemplo, H. M. conseguiu melhorar seu desempenho em uma tarefa na qual era requerido que se traçasse o contorno de uma estrela, observando apenas sua mão em um espelho. Esta é uma tarefa que requer treino e prática, sendo o desempenho dependente da repetição. O desempenho de H. M. foi capaz de evoluir ao longo dos dias de treino, sugerindo que ele estava retendo informações sobre o desenvolvimento da tarefa, muito embora ele fosse incapaz de recordar que havia realizado a tarefa anteriormente. Tais descobertas permitiram posteriormente compreender o funcionamento da memória dividido em dois sistemas distintos: as memórias declarativas e as memórias de procedimento.

Figura 14. Representação da atividade prescrita para o jovem H. M.


Fonte: Nossa autoria (2023).


Sabemos ainda que ao longo da vida o hipocampo é uma região que pode ser afetada pelos processos do envelhecimento. Embora tanto no envelhecimento típico como no envelhecimento atípico exista uma perda de neurônios no hipocampo, nos processos neurodegenerativos, como na doença de Alzheimer, ocorre a perda acentuada e acelerada dos neurônios na formação hipocampal, provocando os esquecimentos e a diminuição da capacidade de aprendizagem de novas informações.

Figura 15. Principais regiões do cérebro que são responsáveis pela expressão dos nossos comportamentos, pensamentos e emoções


Fonte: Purves et al. (2010).

A amígdala é outra região que faz parte do chamado sistema límbico, assim como o hipocampo, e que tem participação no armazenamento de nossas memórias com conteúdos emocionais, especialmente as memórias relacionadas ao medo.

Sua principal função, no entanto, envolve o processamento dos estímulos ameaçadores, sendo responsável por integrar as informações que chegam ao nosso cérebro e mediar as respostas do organismo. Exerce um papel primário na avaliação do ambiente, analisando perigos em potencial, ou seja, dando significado emocional aos estímulos externos. Além disso, a amígdala foi reconhecida como uma região importante no processamento de faces e sinais sociais, auxiliando na identificação de determinadas expressões emocionais.

Lesões na amígdala podem causar grandes prejuízos aos indivíduos, como por exemplo a incapacidade de reconhecer faces ameaçadoras, não confiáveis ou que expressem medo. É comum que indivíduos com lesão na amígdala apresentem comportamentos impulsivos e de risco, tendo dificuldade de modular respostas de medo frente a situações potencialmente perigosas. A síndrome de Kluver e Bucy (Figura 16), por exemplo, é uma condição em que disfunções na amígdala levam a uma desconexão entre processos sensoriais e emocionais.

Figura 16. Representação ilustrativa dos principais sintomas da síndrome de Kluver e Bucy.


Fonte: Nossa autoria (2023).

O hipotálamo é um importante centro do nosso cérebro que conecta nosso SNC a diferentes outros sistemas biológicos do corpo, como o sistema endócrino. Embora represente uma parcela muito pequena do nosso cérebro, menos de 1% do volume total, integra diversos circuitos neuronais e que regulam funções vitais do organismo.

É a região que regula as respostas do sistema nervoso autônomo por meio do controle das ativações simpáticas e parassimpáticas. Sabe-se que o organismo procura manter sua constância (homeostase) equilibrando as variações internas e adequando as respostas às demandas externas. Os mecanismos responsáveis por tal manutenção estão localizados no hipotálamo, incluindo os sistemas responsáveis por dar início às cascatas de liberação de hormônios que irão atuar em diferentes órgãos e sistemas do nosso corpo. O hormônio cortisol, que é liberado a partir da resposta do organismo a um estímulo estressor, é um exemplo da atividade regulatória que busca preparar o organismo para responder frente às demandas do ambiente. Para além destas funções, o hipotálamo participa da regulação da temperatura corporal, do ciclo sono-vigília, da ingestão de alimentos e água, da diurese e de ritmos circadianos.

 O córtex frontal, especificamente a região denominada de pré-frontal, é uma parte importante do nosso cérebro, sendo uma das últimas a serem completamente formadas durante o curso do neurodesenvolvimento.

O córtex pré-frontal é comumente subdividido em pequenas porções, especialmente por suas distintas funções, sendo as sub-regiões mais importantes para o nosso conhecimento:

o córtex pré-frontal dorsolateral;

o córtex pré-frontal orbitofrontal;

o córtex pré-frontal medial; e

o córtex cingulado anterior.

Cada uma dessas regiões desempenha um papel importante para nosso funcionamento cognitivo, expressão dos nossos comportamentos e regulação de respostas emocionais e motivacionais.

É na região do córtex pré-frontal que estão localizadas as chamadas Funções Executivas (que aprofundaremos melhor nos módulos aplicados). Tais funções cerebrais controlam a atenção, as nossas emoções e os nossos comportamentos direcionados a objetivos e metas. Essas funções são responsáveis pelo controle cognitivo, pela autorregulação e pela iniciação do comportamento. É importante destacar que tais funções possuem um desenvolvimento lento e progressivo, com maior influência no início dos anos pré-escolares e somente com uma completa formação no início da vida adulta.

Figura 17. Representação ilustrativa do córtex pré-frontal


Fonte: Adaptada de Ferreira (2021).

O córtex pré-frontal dorsolateral está envolvido no planejamento de ações e comportamentos, sendo responsável pela nossa capacidade de flexibilidade cognitiva, ou seja, por conseguirmos analisar e ponderar situações a partir de diferentes perspectivas ou, ainda, modificar uma ação ou comportamento frente a mudanças nas demandas do ambiente. Ele ainda participa do processo de aquisição de informações, necessário, por exemplo, para que os indivíduos mantenham uma sequência de informações a fim de adequar respostas para alcançar determinado objetivo. Essa relação revela a importante participação da porção dorsolateral na memória de trabalho.

A sub-região do córtex pré-frontal orbitofrontal, por sua vez, possui importante função na representação de nossas emoções e sentidos e no valor da recompensa para tomada de decisão. É a região responsável por codificar os valores, avaliando riscos e benefícios frente à necessidade de uma tomada de decisão. Por possuir conexões com a amígdala, a região também é reconhecida por sua participação na inibição de impulsos e regulação das respostas emocionais. Está envolvida na aprendizagem de mudanças nas contingências ambientais, auxiliando a adequar os comportamentos ao contexto.

A sub-região medial, que compreende o córtex pré-frontal ventromedial, possui uma distinção ainda não tão bem estabelecida com a sub-região orbitofrontal, porém é reconhecida também por desempenhar funções de regulação das respostas emocionais e na adequada tomada de decisão. Revela-se como importante para o automonitoramento das ações ou respostas e para a correção de erros durante os processos de tomada de decisão, ou seja, para a aprendizagem pela experiência e a partir do feedback do contexto. Portanto, essa região mostra-se importante para a capacidade decisória, nos comportamentos perseverativos, e, também, para a interação social, através da adequação das respostas às normas de conduta social e da capacidade de uso da nossa cognição social, inclusive sendo sugerida como envolvida na função de avaliação moral.

 O CURIOSO CASO PHINEAS GAGE

Phineas Gage era um jovem rapaz que trabalhava na construção de ferrovias no século XIX, em Vermont. Entre suas tarefas diárias convencionais estava a explosão de rochas a fim de assentar os trilhos da ferrovia. A tarefa, embora simples, necessitava destreza e atenção para sua execução, pois o modo de causar tal explosão na época requeria socar pólvora dentro de um buraco com uma barra de ferro.

Em um fatídico dia, em 1948, ao realizar sua tarefa, Gage, por descuido, acabou criando uma faísca ao socar a barra de ferro contra a rocha, o que causou uma explosão e arremessou, como um projétil, a barra de ferro em sua direção. A barra atravessou de baixo para cima o olho esquerdo de Gage, saindo pela parte superior do seu crânio. O acidente levou à destruição de parte do seu lobo frontal esquerdo, ainda que Gage não tenha perdido sua consciência.

Gage levou vários meses para se recuperar do acidente, ao menos de forma aparente. Ao se recuperar, Gage parecia ter se transformado: pessoas próximas a ele tinham dificuldade de o reconhecer como o “mesmo” Gage.

Gage, que antes era responsável, trabalhador e moderado, agora apresentava-se instável, agressivo, inadequado e de difícil convívio social. Sua personalidade mudara, dificultando que Gage se relacionasse e retomasse suas atividades laborais.


Ele viveu mais 12 anos e, ao falecer, seu crânio e a barra de ferro foram preservados na Escola de Medicina de Harvard. Hanna e Antonio Damásio, em 1994, usaram técnicas modernas para estudar o crânio e reconstituir as regiões que haviam sido afetadas pelo acidente. A passagem da barra de ferro causou uma lesão grave e extensa sobre o córtex pré-frontal nos dois hemisférios. Essas regiões frontais são hoje reconhecidas pela sua participação em funções cognitivas relacionadas ao planejamento, controle dos impulsos e à adequação de comportamento às normais sociais, o que, na época, explicava sua significativa e abrupta mudança de personalidade.

Duas outras regiões, por fim, que são merecedoras de destaque se referem às áreas de Broca e Wernicke. Ambas as regiões foram descobertas a partir de casos clínicos de pacientes que haviam perdido suas capacidades de expressão ou compreensão da linguagem, sem que isso necessariamente estivesse implicado em perda de capacidades cognitivas ou motoras para mover músculos utilizados na fala.

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Estas regiões, portanto, relacionam-se com a expressão da linguagem (área de Broca), ou seja, com a capacidade do indivíduo comunicar-se verbalmente; e com a compreensão da linguagem (área de Wernicke), capacidade dos indivíduos entenderem a partir de estímulos e da linguagem falada.



Lesões ou disfunções nestas regiões ficaram conhecidas como afasias. Na afasia de Broca, afasia motora, percebe-se boa capacidade de compreensão, com uma fala não fluente e prejuízos de gramática e de repetição de palavras. Já na afasia de Wernick, afasia sensorial, identifica-se fala fluente porém sem sentido, repetição prejudicada (assim como na afasia de Broca) e prejuízo acentuado na capacidade de compreensão.

Devido à característica motora da produção da fala, a afasia de Broca passou a ser denominada de afasia motora. Por outro lado, a afasia de Wernick consiste na capacidade de produção da fala, embora, por vezes, sem sentido, sugerindo assim déficits na forma como processamos os sons e os relacionamos com seus significados, passando ela a ser conhecida como afasia sensorial.

Figura 18. Representação ilustrativa de um cérebro humano com as áreas das afasias de Broca e Wernicke destacadas

Fonte: Bear, Connors e Paradiso (2017).


FONTE: AVAMEC



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