MÓDULO 1 - Parte 4 - Introdução ao estudo da neurociência aplicada à educação: a neuroeducação - Conceitos básicos em Neurociência: como se divide nosso sistema nervoso e quais as funções das diferentes regiões cerebrais
Figura 05. Representação da divisão do sistema nervoso
Fonte: Adaptada de Bear, Connors e Paradiso (2017).
Divisão sensitiva
Divisão motora
Figura 06. Representação ilustrativa do reflexo patelar
Figura 07. Representação ilustrativa do cérebro humano
Figura 08. Divisão hemisférica do cérebro
Figura 10. Divisão dos lobos cerebrais
Conceitos básicos em Neurociência: as principais regiões do cérebro responsáveis pelas funções cognitivas, aprendizagens e expressão dos comportamentos
Caro(a) Professor(a), neste subtópico do Módulo I, vamos detalhar as principais regiões do nosso cérebro que são responsáveis pela expressão dos nossos comportamentos, pensamentos e emoções. O funcionamento destas regiões, por exemplo, contribui diretamente para que nossas aprendizagens ocorram e, também, para que nossas memórias sejam formadas, servindo de base para a construção do nosso conhecimento ao longo da vida.
Você, educador(a), ao conhecer melhor as respectivas funções associadas à atividade de cada uma destas regiões, vai ser capaz de não somente melhor entender como nosso cérebro processa todas as informações que chegam até ele, como também de compreender que, em casos de desenvolvimento atípico, a exemplo das síndromes e dos transtornos do neurodesenvolvimento, podemos ter um comprometimento importante de seu funcionamento e, consequentemente, observamos alterações significativas nas capacidades de aprendizagens, habilidades de leitura e escrita, habilidades matemáticas, habilidades sociais e habilidades de regulação emocional.
Começaremos discutindo uma das regiões-chave para os processos de aprendizagem e memória: o hipocampo. Trata-se da estrutura bilateral que está localizada nos lobos temporais, com formato similar ao de um cavalo marinho (Figura 12).
Figura 12. Representação de um cérebro humano com o hipocampo em destaque, comparado a um cavalo marinho
Fonte: Nossa autoria (2023).
O hipocampo possui papel específico nos processos de aquisição e consolidação das nossas memórias, embora tal participação seja de certo modo complexa de se compreender, considerando todos os processos de base biológica envolvidos.
O hipocampo contribui para a transferência de informações da nossa chamada memória de curto prazo para a memória de longo prazo. Também é a região responsável por criar um mapa cognitivo do nosso ambiente, relacionando características visuais com características espaciais, o que possibilita a adequação das nossas respostas conforme variações do ambiente.
Mais especificamente, em sua porção posterior, o hipocampo está envolvido nos processos cognitivos da aprendizagem e memória, particularmente naqueles associados ao desenvolvimento da capacidade de orientação, exploração do ambiente e locomoção. Já em sua porção anterior, ele tem envolvimento com as emoções e o comportamento motivado. Lesões no hipocampo podem trazer significativos prejuízos em nossa memória, resultando em amnésias anterógradas, ou seja, na perda da capacidade de armazenar e reter novas informações a partir de um evento. Esse tipo de prejuízo indica a participação do hipocampo na formação das memórias declarativas e tem como um exemplo clássico dos estudos da Neurociência o caso do paciente Henry Molaison, mais conhecido como H. M.
A MEMÓRIA DE H. M.
Henry Molaison, cientificamente conhecido como H. M., foi um jovem de 27 anos que sofria de epilepsia grave. Tinha várias crises convulsivas em um mesmo dia, impossibilitando-o de ter funcionalidade na vida. Os tratamentos da época se mostraram ineficazes para conter as crises e permitir que H. M. vivesse uma vida normal. As crises tinham origem em uma região do cérebro localizada nos lobos temporais e se espalhavam ao longo do cérebro.
Um dos tratamentos para casos refratários e graves de epilepsia, à época, era através da cirurgia de remoção da região de origem das crises. Considerando a gravidade do caso, decidiu-se na época que a intervenção cirúrgica era o mais adequado para H. M. Assim, cirurgicamente, foram removidas partes da região de seu lobo temporal medial, incluindo uma região denominada hipocampo. Aparentemente a cirurgia havia sido um sucesso, uma vez que H. M. se recuperou bem e, ao que parecia, havia parado de ter crises convulsivas recorrentes.
Figura 13. Comparação entre um cérebro comum e o cérebro de H. M. (hipocampo removido)
Fonte: Nossa autoria (2023).
No entanto, com o passar dos dias, descobriu-se um efeito inesperado do procedimento cirúrgico realizado. H. M. era incapaz de se lembrar das informações a ele apresentadas por períodos superiores a alguns minutos. Apesar de ser capaz de lembrar de episódios de sua vida anteriores à cirurgia, ter um funcionamento cognitivo global preservado e acima da média, com habilidade de raciocínio lógico também preservada, H. M. parecia não reter mais quaisquer informações que lhe fossem apresentadas. Ele fora acompanhado ao longo de muitos anos por alguns pesquisadores, entre eles uma psicóloga, Branda Milner, a fim de se obter um entendimento do que lhe havia ocorrido a partir da remoção cirúrgica daquela região.
Para H. M., todos os dias eram novidade, ele apresentava um caso clássico de amnesia anterógrada, ou seja, não era capaz de recordar nenhuma informação após um evento, passado um período curto de tempo. Porém, todo restante das suas capacidades cognitivas parecia preservado e, ainda, descobriu-se que H. M. era capaz de aprender novas tarefas motoras, mesmo sem ter consciência ou a lembrança de que havia sido exposto ao estímulo. Por exemplo, H. M. conseguiu melhorar seu desempenho em uma tarefa na qual era requerido que se traçasse o contorno de uma estrela, observando apenas sua mão em um espelho. Esta é uma tarefa que requer treino e prática, sendo o desempenho dependente da repetição. O desempenho de H. M. foi capaz de evoluir ao longo dos dias de treino, sugerindo que ele estava retendo informações sobre o desenvolvimento da tarefa, muito embora ele fosse incapaz de recordar que havia realizado a tarefa anteriormente. Tais descobertas permitiram posteriormente compreender o funcionamento da memória dividido em dois sistemas distintos: as memórias declarativas e as memórias de procedimento.
Figura 14. Representação da atividade prescrita para o jovem H. M.
Fonte: Nossa autoria (2023).
Sabemos ainda que ao longo da vida o hipocampo é uma região que pode ser afetada pelos processos do envelhecimento. Embora tanto no envelhecimento típico como no envelhecimento atípico exista uma perda de neurônios no hipocampo, nos processos neurodegenerativos, como na doença de Alzheimer, ocorre a perda acentuada e acelerada dos neurônios na formação hipocampal, provocando os esquecimentos e a diminuição da capacidade de aprendizagem de novas informações.
Figura 15. Principais regiões do cérebro que são responsáveis pela expressão dos nossos comportamentos, pensamentos e emoções
Fonte: Purves et al. (2010).
A amígdala é outra região que faz parte do chamado sistema límbico, assim como o hipocampo, e que tem participação no armazenamento de nossas memórias com conteúdos emocionais, especialmente as memórias relacionadas ao medo.
Sua principal função, no entanto, envolve o processamento dos estímulos ameaçadores, sendo responsável por integrar as informações que chegam ao nosso cérebro e mediar as respostas do organismo. Exerce um papel primário na avaliação do ambiente, analisando perigos em potencial, ou seja, dando significado emocional aos estímulos externos. Além disso, a amígdala foi reconhecida como uma região importante no processamento de faces e sinais sociais, auxiliando na identificação de determinadas expressões emocionais.
Lesões na amígdala podem causar grandes prejuízos aos indivíduos, como por exemplo a incapacidade de reconhecer faces ameaçadoras, não confiáveis ou que expressem medo. É comum que indivíduos com lesão na amígdala apresentem comportamentos impulsivos e de risco, tendo dificuldade de modular respostas de medo frente a situações potencialmente perigosas. A síndrome de Kluver e Bucy (Figura 16), por exemplo, é uma condição em que disfunções na amígdala levam a uma desconexão entre processos sensoriais e emocionais.
Figura 16. Representação ilustrativa dos principais sintomas da síndrome de Kluver e Bucy.
Fonte: Nossa autoria (2023).
O hipotálamo é um importante centro do nosso cérebro que conecta nosso SNC a diferentes outros sistemas biológicos do corpo, como o sistema endócrino. Embora represente uma parcela muito pequena do nosso cérebro, menos de 1% do volume total, integra diversos circuitos neuronais e que regulam funções vitais do organismo.
É a região que regula as respostas do sistema nervoso autônomo por meio do controle das ativações simpáticas e parassimpáticas. Sabe-se que o organismo procura manter sua constância (homeostase) equilibrando as variações internas e adequando as respostas às demandas externas. Os mecanismos responsáveis por tal manutenção estão localizados no hipotálamo, incluindo os sistemas responsáveis por dar início às cascatas de liberação de hormônios que irão atuar em diferentes órgãos e sistemas do nosso corpo. O hormônio cortisol, que é liberado a partir da resposta do organismo a um estímulo estressor, é um exemplo da atividade regulatória que busca preparar o organismo para responder frente às demandas do ambiente. Para além destas funções, o hipotálamo participa da regulação da temperatura corporal, do ciclo sono-vigília, da ingestão de alimentos e água, da diurese e de ritmos circadianos.
O córtex frontal, especificamente a região denominada de pré-frontal, é uma parte importante do nosso cérebro, sendo uma das últimas a serem completamente formadas durante o curso do neurodesenvolvimento.
O córtex pré-frontal é comumente subdividido em pequenas porções, especialmente por suas distintas funções, sendo as sub-regiões mais importantes para o nosso conhecimento:
o córtex pré-frontal dorsolateral;
o córtex pré-frontal orbitofrontal;
o córtex pré-frontal medial; e
o córtex cingulado anterior.
Cada uma dessas regiões desempenha um papel importante para nosso funcionamento cognitivo, expressão dos nossos comportamentos e regulação de respostas emocionais e motivacionais.
É na região do córtex pré-frontal que estão localizadas as chamadas Funções Executivas (que aprofundaremos melhor nos módulos aplicados). Tais funções cerebrais controlam a atenção, as nossas emoções e os nossos comportamentos direcionados a objetivos e metas. Essas funções são responsáveis pelo controle cognitivo, pela autorregulação e pela iniciação do comportamento. É importante destacar que tais funções possuem um desenvolvimento lento e progressivo, com maior influência no início dos anos pré-escolares e somente com uma completa formação no início da vida adulta.
Figura 17. Representação ilustrativa do córtex pré-frontal
Fonte: Adaptada de Ferreira (2021).
O córtex pré-frontal dorsolateral está envolvido no planejamento de ações e comportamentos, sendo responsável pela nossa capacidade de flexibilidade cognitiva, ou seja, por conseguirmos analisar e ponderar situações a partir de diferentes perspectivas ou, ainda, modificar uma ação ou comportamento frente a mudanças nas demandas do ambiente. Ele ainda participa do processo de aquisição de informações, necessário, por exemplo, para que os indivíduos mantenham uma sequência de informações a fim de adequar respostas para alcançar determinado objetivo. Essa relação revela a importante participação da porção dorsolateral na memória de trabalho.
A sub-região do córtex pré-frontal orbitofrontal, por sua vez, possui importante função na representação de nossas emoções e sentidos e no valor da recompensa para tomada de decisão. É a região responsável por codificar os valores, avaliando riscos e benefícios frente à necessidade de uma tomada de decisão. Por possuir conexões com a amígdala, a região também é reconhecida por sua participação na inibição de impulsos e regulação das respostas emocionais. Está envolvida na aprendizagem de mudanças nas contingências ambientais, auxiliando a adequar os comportamentos ao contexto.
A sub-região medial, que compreende o córtex pré-frontal ventromedial, possui uma distinção ainda não tão bem estabelecida com a sub-região orbitofrontal, porém é reconhecida também por desempenhar funções de regulação das respostas emocionais e na adequada tomada de decisão. Revela-se como importante para o automonitoramento das ações ou respostas e para a correção de erros durante os processos de tomada de decisão, ou seja, para a aprendizagem pela experiência e a partir do feedback do contexto. Portanto, essa região mostra-se importante para a capacidade decisória, nos comportamentos perseverativos, e, também, para a interação social, através da adequação das respostas às normas de conduta social e da capacidade de uso da nossa cognição social, inclusive sendo sugerida como envolvida na função de avaliação moral.
O CURIOSO CASO PHINEAS GAGE
Phineas Gage era um jovem rapaz que trabalhava na construção de ferrovias no século XIX, em Vermont. Entre suas tarefas diárias convencionais estava a explosão de rochas a fim de assentar os trilhos da ferrovia. A tarefa, embora simples, necessitava destreza e atenção para sua execução, pois o modo de causar tal explosão na época requeria socar pólvora dentro de um buraco com uma barra de ferro.
Em um fatídico dia, em 1948, ao realizar sua tarefa, Gage, por descuido, acabou criando uma faísca ao socar a barra de ferro contra a rocha, o que causou uma explosão e arremessou, como um projétil, a barra de ferro em sua direção. A barra atravessou de baixo para cima o olho esquerdo de Gage, saindo pela parte superior do seu crânio. O acidente levou à destruição de parte do seu lobo frontal esquerdo, ainda que Gage não tenha perdido sua consciência.
Gage levou vários meses para se recuperar do acidente, ao menos de forma aparente. Ao se recuperar, Gage parecia ter se transformado: pessoas próximas a ele tinham dificuldade de o reconhecer como o “mesmo” Gage.
Gage, que antes era responsável, trabalhador e moderado, agora apresentava-se instável, agressivo, inadequado e de difícil convívio social. Sua personalidade mudara, dificultando que Gage se relacionasse e retomasse suas atividades laborais.
Ele viveu mais 12 anos e, ao falecer, seu crânio e a barra de ferro foram preservados na Escola de Medicina de Harvard. Hanna e Antonio Damásio, em 1994, usaram técnicas modernas para estudar o crânio e reconstituir as regiões que haviam sido afetadas pelo acidente. A passagem da barra de ferro causou uma lesão grave e extensa sobre o córtex pré-frontal nos dois hemisférios. Essas regiões frontais são hoje reconhecidas pela sua participação em funções cognitivas relacionadas ao planejamento, controle dos impulsos e à adequação de comportamento às normais sociais, o que, na época, explicava sua significativa e abrupta mudança de personalidade.
Duas outras regiões, por fim, que são merecedoras de destaque se referem às áreas de Broca e Wernicke. Ambas as regiões foram descobertas a partir de casos clínicos de pacientes que haviam perdido suas capacidades de expressão ou compreensão da linguagem, sem que isso necessariamente estivesse implicado em perda de capacidades cognitivas ou motoras para mover músculos utilizados na fala.
Previous
Estas regiões, portanto, relacionam-se com a expressão da linguagem (área de Broca), ou seja, com a capacidade do indivíduo comunicar-se verbalmente; e com a compreensão da linguagem (área de Wernicke), capacidade dos indivíduos entenderem a partir de estímulos e da linguagem falada.
Lesões ou disfunções nestas regiões ficaram conhecidas como afasias. Na afasia de Broca, afasia motora, percebe-se boa capacidade de compreensão, com uma fala não fluente e prejuízos de gramática e de repetição de palavras. Já na afasia de Wernick, afasia sensorial, identifica-se fala fluente porém sem sentido, repetição prejudicada (assim como na afasia de Broca) e prejuízo acentuado na capacidade de compreensão.
Devido à característica motora da produção da fala, a afasia de Broca passou a ser denominada de afasia motora. Por outro lado, a afasia de Wernick consiste na capacidade de produção da fala, embora, por vezes, sem sentido, sugerindo assim déficits na forma como processamos os sons e os relacionamos com seus significados, passando ela a ser conhecida como afasia sensorial.
Figura 18. Representação ilustrativa de um cérebro humano com as áreas das afasias de Broca e Wernicke destacadas
Fonte: Bear, Connors e Paradiso (2017).
FONTE: AVAMEC






















Nenhum comentário:
Postar um comentário